Informativo AAPBB/Agosto2010 – A MUSA DOS CIÚMES

A MUSA DOS CIÚMES
Carlos Trigueiro

Numa dessas noites que só acontecem no mundo dos escritores, fui despertado por vozerio que parecia vir da parte da casa onde ficam a biblioteca e as saletas de recepção. Mal equilibrei os óculos, essa primeira e óbvia operação que faz o míope ao despertar, tratei de enfiar um roupão sobre o pijama, pois senti os chinelos me carregando para fora do quarto. Fiapos de luz quebradiça fugiam por uma porta entreaberta, no final do corredor, deixando claridade suficiente para guiar meus passos na semi-escuridão. Após vazar três ou quatro ambientes, cheguei à biblioteca – minha fortaleza de idéias e papel. De fato, luzes e vozes vinham dali. Movido por aquele instinto cautelar que nos aflora nessas horas noturnas, guardei certa distância da porta e fiquei a espreitar.
Não fosse minha experiência no campo das surpresas que a vida resolve brincar de tempos em tempos, teria ficado paralisado com o que vi. Mas, domesticado o susto e a emoção submetida ao esgrimir da curiosidade, presenciei uma das mais incríveis situações que a sensibilidade criativa pode experimentar. Estavam ali reunidos, em discussão organizada, meus personagens, meus fantasmas, um dia filhos da minha imaginação, dos meus credos, medos e fantasias, e que, até então – podia jurar por todos os santos e beatos de Espanha – só haviam povoado as páginas dos livros que escrevi.
(Trecho de “O Livro dos Ciúmes”, cujo autor é aposentado BB e nosso associado)

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