Triângulo amoroso e traição em família
Na trama de “Libido aos Pedaços”, o narrador apaixona-se por sua cunhada e psicanalista
23/10/2011 – 14h22 – Atualizado em 23/10/2011 – 14h22
A Gazeta
Tiago Zanoli
tzanoli@redegazeta.com.br
A trama tem um toque rodrigueano: um homem (o narrador) apaixona-se por sua ex-psicanalista que, por acaso, é irmã de sua esposa. Não foi à toa que Carlos Trigueiro escolheu uma citação de Nelson Rodrigues para servir de epígrafe ao seu novo romance, “Libido aos Pedaços”: “Quem nunca amou a cunhada não sabe o que é o amor”.
A narrativa é construída a partir de fragmentos da memória do biólogo Otávio Nunes Garcia, que traz à tona seu “romance confesso”. Em vez de capítulos, a história é dividida por “pedaços” que emulam as imprecisões de uma memória às vezes nublada.
São essas imperfeições do narrador que conferem mais realismo ao romance, cuja linguagem, poética, assume aqui e ali um tom solene – traço da personalidade do protagonista.
A história de “Libido aos Pedaços” tem início no consultório da doutora Larissa, psicanalista de Otávio, que interrompe as sessões de análise, uma vez que ele está de casamento marcado com a irmã dela e não é ético tê-lo como paciente. Insatisfeito, aceita a recomendação dela e passa a fazer psicoterapia com o doutor Guilherme Pessoa (que, por acaso, é ex-marido de Larissa).
Foi a timidez que levou Otávio à psicanálise. Uma timidez que alguns veem como “falsa”, já que, em certas ocasiões, um Otávio mais instintivo, cínico e amoral entra em cena – dupla personalidade?
Aos poucos, a narrativa revela nuances da personalidade do protagonista e aprofunda a trama, explicando como tiveram início o relacionamento entre Otávio, Débora (sua esposa) e Larissa (a cunhada). E o que seria um triângulo amoroso, no fim, surge como uma forma geométrica muito mais complexa.
Trilogia
“Libido aos Pedaços” é o segundo livro da “Trilogia da Confissão”, iniciada por “Confissões de um Anjo da Guarda”, antologia de 11 contos, com a qual satirizava os costumes e os valores morais. O mesmo tom de sátira se repete agora, acertando os mesmos alvos, e Carlos Trigueiro mantém sua prosa atraente e afiada, carregada de ironia e jogos de palavras.
O sarcasmo é fundamental na construção de Otávio, narrador que é um tanto cínico. Sua confissão parece desprovida de culpa, e, como biólogo, ele tem um olhar científico e, em certos momentos frio, sobre a vida à sua volta.
O autor trabalhou durante oito anos em “Libido aos Pedaços”. Ao longo desse processo escreveu e publicou outras obras, como “O Livro dos Desmandamentos” (2004) e a coletânea de contos que abre a “Trilogia da Confissão”.
O romance teve vários títulos provisórios e diferentes construções, até Trigueiro dar a ele a forma com que chega agora às mãos dos leitores. O final é surpreendente, muito embora inúmeras pistas sejam dadas ao longo de toda a narrativa.