“Confissões de um Anjo da Guarda”, de Carlos Trigueiro, lançamento recente, reúne 11 contos da mais fina ironia que conquistam o leitor desde a primeira frase do conto que empresta o título ao livro. “Tudo começou porque pensei além do permitido nas cortes celestes”. Trigueiro oferece ali um aperitivo do que vem em seguida. Ele consegue prender a atenção do início ao fim com histórias bem estruturadas, narradas em tom de irreverência que escondem uma certa amargura com o que acontece ao seu redor.
Os personagens, em geral, diáfanas criaturas que vivem em meio às agruras e tentações dos humanos, são leves e soltos. Nada convencionais. Por isso, despertam imediata simpatia e interesse. Há o anjo dissidente que, banido da convivência de seus pares, resolve pôr a boca no mundo para concluir que como “as porcarias costumam vir de cima, os humanos pegam, pensando que é de graça, tudo o que não presta”. Há também Peterson, cuja excentricidade da mulher era assumir o papel de anjo da guarda do marido. E o Sr. Woodstock que segue com atenção as palavras do médico, ”se sentir a língua incontrolável contra tudo e contra todos, o procedimento terá surtido efeito”. A lista vai longe.
Entre as andanças dos personagens pela terra, pelo céu e inferno, sim, tem o anjo caído, o anjo informante, o humor, a ironia e uma certa melancolia que perpassam todos os contos vão crescendo de intensidade para explodir no melhor do livro, se é que se pode medir o que é muito bom. No “Anjos Exterminadores”, com o alerta de que “a história ainda está acontecendo”, Trigueiro atinge seu ápice. Revelando aguda sensibilidade para os desconcertos urbanos de nossas metrópoles, num ritmo frenético, que desnuda um estilo ímpar, ele conduz o leitor morro acima, morro abaixo do Rio de Janeiro num mergulho sem fôlego em nossas mazelas cotidianas. Sátira na melhor tradição literária deste país.
Estamos diante de um autor maduro. Tranqüilamente, com o domínio lingüístico de um sofisticado escriba, ele vai desfilando sob nossos olhos as iniqüidades que impedem este país de atingir o ufanismo tão apregoado. Não é estreante. Já mostrara a que viera em “O Livro dos desmandamentos” (2004), um painel dos anos sombrios que, em pedaços despedaçados do país, não se dissipou completamente, em “Memórias da liberdade” (reedição 2008), “O Livro dos ciúmes” (1999), “O clube dos feios e outras histórias extraordinárias” (1994).
Por Bianca Ferrari
Fonte: http://www.cronopios.com.br/site/resenhas.asp?id=3492