Genésio Cravvo Pimenta chegou à agência bancária nos conformes oficiais, obedecendo aos tempos, regras, leis e costumes dos anos em voga, moda, onda, vieses, tipos, plataformas e aplicativos da vez.
Pegou a senha de número 19.746.812.415 na máquina robotizada que o fotografou, deu-lhe “Bom Dia!”, colheu a impressão digital do seu indicador da mão direita e afiançou-lhe: “Que tenha um bom atendimento e até a próxima visita!”.
Em seguida, obedecendo ao pedido do robô, digo, da máquina, leu a orientação na tela do visor integrado à parede principal do recinto, e, cumpriu as instruções em pauta.
Despojou-se das roupas, dos sapatos, da mochila, da marmita, da garrafa térmica, do cinto de utilidades, dos óculos escuros, dos guardanapos de papel, do colírio, do xarope, da embalagem com aspirina, do guarda-chuva portátil, das tatuagens descartáveis, do relógio de pulso, do bloco de rascunho, do chaveiro, do cordão com a medalha de São Jorge guerreiro, e…, da carteira de identidade, da carteira de trabalho, da caneta esferográfica metalizada, do celular já desligado, da cópia do CPF.
Despido, ou melhor, em nu bíblico, guardou tudo no recipiente indicado pela senha correspondente ao armário de número 19.476.812.415 e que só poderia ser aberto por ele próprio, mediante nova senha a ser fornecida exclusivamente pelo Caixa após a operação de pagamento que faria no guichê.
Tal instrução piscava acintosamente no aviso luminoso sobre teclado eletrônico na parte externa da portinhola do armário. Genésio leu e releu o respectivo aviso: “Após fechar o armário, o usuário da vez só poderá abri-lo se digitar neste teclado a senha fornecida pelo Caixa após o atendimento.”.
Ultrapassou a porta giratória, as câmeras de filmagem, os filtros magnéticos, os radares, as antenas ultrassensíveis a cores, odores e maus pensamentos, os microfones camuflados, além de dúzia e meia de seguranças fortemente armados. Notou que o ar condicionado funcionava tipo à meia-força.
Segurou numa das mãos as duzentas pratas de que precisaria, e na outra mão a mirabolante senha junto com a conta a pagar.
Viu a fila de pessoas completamente nuas, sem distinção de sexo, desprovidas de constrangimento, vergonha ou pudor, inclusive estavam descalças como ele.
Por absoluta questão de segurança, conforme o rigor e temor da época, Genésio, juntou-se ao final da respectiva fila, também em nu bíblico, ou, melhor, vestido apenas com a cara de pau.
Enfim, chegou a sua vez. Tudo tem seu tempo certo, não é o que dizem as sagradas escrituras?
Conferiu a sua senha de onze dígitos agora mostrada no visor próximo aos três guichês de caixas e, para não haver possibilidade de erro, repetiu duas vezes no microfone próximo ao balcão (conforme instruções lidas, relidas e sabidas) que ele, Genésio Cravvo Pimenta era o único portador da senha 19.476.812.415.
Em seguida, empertigou a cara de pau e foi ao guichê do Caixa que o examinou friamente e com ar zombeteiro – foi o que lhe ocorreu, nem mais nem menos, como se estivesse utilizando palavreado dos tempos machadianos – repetiu o seu nome completo três vezes: “Genésio Cravvo Pimenta!”. Curiosamente, depois de tanto aparato, o Caixa não mencionou o estratosférico número da senha.
Finalmente, o tal Caixa, segurando cuidadosamente um aparelhinho eletrônico similar aos que aceitam, copiam, clonam e reproduzem cartões de crédito, disse com naturalidade estudada:
“Preste bem atenção! Para aumentar a sua segurança, e se o senhor for solteiro, digite nesta maquininha os três últimos algarismos do celular da sua atual namorada ou do seu namorado, ou da sua noiva ou do seu noivo; e se o senhor for casado, digite os três primeiros números do celular da sua esposa ou do seu esposo, ou da sua companheira ou companheiro conforme previsto na Lei; mas se o senhor não estiver incluído em nenhuma dessas características, basta digitar o número do seu CPF ao contrário ou, se preferir por questões de discrição, digite, em maiúsculas, somente as letras iniciais da mais tradicional e pertinente expressão de desabafo que chegou aos nossos avançados dias tecnológicos!
Tão logo Genésio digitou as letras maiúsculas PQP, o Caixa fez, mentalmente, a leitura da expressão digitada, decodificou-a, e disse: “Muito bem: PQP corresponde às iniciais da expressão correta por extenso, ou seja, Puta Que Pariu! Agora daremos prosseguimento à sua operação de pagamento sem problemas”.
Genésio pagou a conta, recebeu o comprovante da operação e um troco de vinte reais. Agradeceu a atenção do Caixa e argumentou: “Para sair do Banco e ir embora, quero retirar os meus pertences e vestir a minha roupa que guardei no armário, mas, conforme as instruções que li e reli, preciso saber a nova senha que devo digitar no teclado da portinhola do tal armário”.
Sem titubear, o Caixa respondeu: “É muito fácil! Com letras maiúsculas, o senhor deve digitar a mesma senha que utilizou para fazer o pagamento da sua conta. Em seguida, deverá aguardar alguns segundos até aparecer no visor eletrônico da portinhola a expressão ‘PQP É A SUA MÃE’. Aí então, o senhor poderá retirar os seus pertences, vestir-se e, tranquilamente, ir embora.”.
“Valeu!” Disse Genésio ao Caixa, e acrescentou: “Ao voltar pra casa vou explicar essas novidades pro Albberto, meu marido. Assim, ele não vai se espantar quando tiver de vir ao Banco, nem terá constrangimento ao expor que é legalmente casado comigo, pois é preferível digitar os três primeiros números do meu celular do que passar por essas inacreditáveis sem-vergonhices pós-modernas de segurança máxima!”.
Extraído do livro a ser lançado: HISTÓRIAS TIPO ASSIM: “WHATS-au-au-au-APP”
Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email carlostrigueiro@globo.com
(15 de abril/2016)
CooJornal nº 980
Carlos Trigueiro é escritor e poeta
Pós-graduado em “Disciplinas Bancárias”.
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (200ó), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil). RJ
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